Por Adelson Vidal Alves
Zigmund Bauman, sociólogo polonês,
define a cultura, em tempos líquidos modernos, como sendo uma ferramenta de
sedução na sociedade de consumidores, uma espécie de mecanismo de tentação para
não deixar os clientes, compradores de produtos culturais, satisfeitos com o
que tem. Sua função seria despertar continuamente desejos, obrigar o consumo de
mercadorias culturais, descartáveis rapidamente. Cultura e moda estariam no
mesmo barco.
Theodor Adorno, teórico alemão
da Escola de Frankurt, desenvolveu o conceito de Indústria Cultural. Segundo
ele, a criação cultural serve a um conjunto de regras dispostas a padronizar a
produção de bens culturais, que em geral seriam praticamente iguais. São
fabricados como se fabrica latas de salsichas, e são vendidos no mercado sem mostrarem
muitas diferenças entre si, já que a Indústria Cultural impede a criatividade e
a dimensão crítica da cultura. Tudo que se produz responde por um padrão que
consagra o consagrado e sufoca novidades. Tanto Adorno quanto Bauman pensam
cultura ao lado do mercado.
Já Antônio Gramsci, um italiano
que foi filiado ao movimento do “comunismo histórico”, admirador da revolução
russa e dirigente partidário, a cultura pode ter funções distintas, dependendo
a que grupo hegemônico ela serve. Pode modificar estruturas, criar um mundo
novo, inclusive sem mercados, mas, pode também, consolidar uma ordem existente,
alienadora e opressora. Para Gramsci, a cultura é o elemento principal de
preocupação dos revolucionários. Sem que esta esteja do lado dos socialistas, seria
impossível vencer o capitalismo, motivo pelo qual insistiu tanto numa “reforma
moral e intelectual da sociedade”.
Os três autores estão inseridos
num amplo debate sobre o conceito de cultura e sua importância no mundo
moderno. O resultado deste debate serve para orientar o papel da cultura em
nossos dias, se é que ela tem um papel. Serve também para discutirmos em que
momento faz sentido falarmos de uma “Política pública de Cultura”, isto é, da
participação do Estado no ambiente de produção cultural.
Neste aspecto, é de bom grado
recordarmos a origem do termo “cultura” e as primeiras tentativas de usá-la
para finalidades de orientação governamental. As primeiras citações da palavra faziam
referência a prática da agricultura. O ato de semear solos inférteis e fazer
deles grandes jardins, brotando flores, árvores e frutos, serviriam como
metáfora para o papel da cultura, que seria o de fazer ambientes toscos e
ignorantes, lugares de educação mais sofisticada. Os intelectuais, “homens de
cultura”, seriam àqueles que ensinariam às massas a evolução para níveis mais elevados de
civilidade. Por conta disso, governos lançavam mão de políticas de cultura que
favorecessem o que eles consideravam “cultura superior” que, no fundo, abria
caminho para a construção e solidificação da nação e do Estado-Nação Moderno.
O histórico do conceito de
cultura, assim como o de políticas públicas, pouco ilumina os desafios de nosso
mundo moderno, mergulhado em mercado, consumo e lucro. Um dos desafios, entre
tantos, no atual momento, é pensar as relações Estado-Cultura-mercado, em todas
as ordens.
Todavia, o Estado não é uma
entidade metafísica. Está sujeita a interferência da política, em suas
variações que vão de acordo com a visão de mundo que o ocupa hegemonicamente.
No nosso caso, a proposta é pensar uma Política Pública de cultura que atenda o
moderno Estado democrático de direito. Uma política guiada pela democracia como
valor civilizatório e universal.
É aqui que devemos perguntar:
qual deve ser a política de cultura adequada para um Estado de direito dirigido
por forças democráticas?
Pensei, influenciado por
Bauman, Adorno, Gramsci e outros, em quatro diretrizes mínimas que devem
orientar tal política:
1. Cultura
engloba quase todo o comportamento humano. De modo que, se o Estado se propor a
financiar todas as atividades que se auto definam “cultura”, seu trabalho será
inviabilizado. Desta forma, deve-se definir o conceito de cultura, retirando
deste qualquer tipo de iniciativa interesseira e que não contemple o interesse
público.
2. É dever
do Estado fornecer bases materiais para o desenvolvimento da produção cultural,
não apenas financiando artistas consagrados, mas fomentando a criação, através de saraus, centros culturais, oficinas
etc, sobretudo nos setores mais pobres, onde as pessoas tem dificuldades em
dividir seu tempo entre cultura e o ganha pão.
3. O
Estado precisa proteger o artista do mercado. Os recursos públicos devem servir
como barreira entre a produção autônoma do artista e o mercado. Deve fornecer
formas de sobrevivência sem que este seja obrigado a transformar sua obra para
servir aos interesses dos clientes.
4. Mesmo
que cabendo ao poder público incentivar a criação plural da cultura, sendo vedada
sua interferência para um direcionamento com fins de seu interesse, isto não
significa que não possa trabalhar, de forma democrática, na articulação com a
sociedade civil, com o intuito de promover valores, comportamentos e formas de
vida que favoreçam um ambiente cidadão e democrático, que ao invés de fazer da
cultura elemento de separação em guetos de tradições culturais diferentes, forneça
um espaço para a produção de sínteses culturais universais.
É óbvio que estes quatro pontos
não esgotam a temática. Mas me parece claro que os governos tem se recusado a
pensar minimamente os fundamentos da sua política. Parecem se contentar com
cultura em sua forma circense, no mau sentido da palavra.