terça-feira, 27 de março de 2012

O anti-marxismo de Stalin

Por Adelson Vidal Alves


"Stalin, que presidiu a resultante era de ferro da URSS, era um autocrata de ferocidade, crueldade e falta de escrúpulos excepcionais, alguns poderiam dizer únicas. Poucos homens manipularam o terror em escala mais universal. Não há dúvida de que sob um outro líder do partido bolchevique o sofrimento dos povos da URSS teriam sido minimizados, e o número de vítimas, menor"

Eric Hobsbawn, Era dos Extremos

Em seu livro Era dos extremos, o historiador Eric Hobsbawn narra um interessante acontecimento na URSS durante o chamado período Stalinista (1927-1953). Pessoas que passavam pela  Praça de Budapeste, eram questionadas sobre quem seria Karl Marx. Entre as mais assustadoras respostas, estava a de que Marx seria um “filósofo soviético” e “tradutor das obras de Lênin para o húngaro”. Tal fato só vem comprovar o quanto o governo de Josef Stalin estava longe do marxismo em seu sentido teórico.
Ossip (em georgiano) ou Iosif (em russo) Vissarionovich Djugatchvili, nasceu na cidade de Gori, Georgia, em 18 de dezembro de 1878. No ano de 1922, adota o nome Stalin, que significa “homem de aço”. Secretário geral do partido bolchevique no momento em que morre Vladimir Lênin, principal dirigente do partido, Stalin vai disputar com Leon Trotsky a linha sucessória do comando da estrutura partidária. Apesar das recomendações de Lênin quanto ao risco de Stalin chegar ao poder, este vence o duelo com Trotsky e assume a cabeça do partido em 1927, forçando o exílio de seu opositor assassinado por ordens de Stalin em agosto de 1940, no México.
À frente do partido e da URSS, Josef Stalin irá, a partir de então, instaurar um governo de terror e tirania. Com o objetivo de acelerar a industrialização, é estabelecido um projeto de coletivização da agricultura à custa de uma brutal repressão aos camponeses. São os famosos “Planos Quinquenais”. Fala- se em mais de 10 milhões de mortes entre os trabalhadores do campo, que viviam sob condições desumanas em verdadeiros campos de concentração.
 Na política, Stalin se garantiu no poder disseminando o terror e o medo. Em 1936, produziu os conhecidos “Processos de Moscou”, responsáveis por dizimar a maior parte dos primeiros dirigentes do partido. Os julgamentos eram feitos de forma arbitrária, com testemunhas e provas forjadas e com total manipulação na condução das sentenças. O resultado dos expurgos garantia a ausência de oposição ao líder soviético, ao mesmo tempo em que eliminava as principais cabeças pensantes e os principais generais das forças armadas.
O desequilíbrio de Stalin produziu o mais doentio e patético culto à personalidade, que fazia de sua própria figura alguém que se igualava ao antigo Czar, que a revolução de Outubro julgara ter liquidado. Sob a direção de Stalin, a URSS viveu regime de ditadura, mortes, terror e de cerceamento das principais liberdades políticas e civis. Ainda que tenha transformado a URSS em potência mundial, esse período configurou-se como uma terrível distorção do pensamento marxista, que ele dizia representar. Não há em nenhum dos textos fundadores do marxismo, alusão que um regime socialista deva ser erguido sobre o desprezo total pela democracia. No regime stalinista, a religião foi proibida, os sindicatos estatizados, a imprensa controlada e o uni partidarismo se tornou regra geral do modelo político. Nada mais distante do que defende o marxismo, uma teoria que se articula em torno da construção de uma sociedade livre e justa.
O chamado “marxismo-leninismo”, consagrado por Stalin e exportado para os satélites soviéticos, se caracterizou por uma ideologia opaca e com o único objetivo de difundir e justificar o autoritarismo soviético.
Ao contrário de Lênin e Trotsky, verdadeiros teóricos marxistas, Stalin era intelectualmente medíocre. Os textos que escreveu eram um conjunto esquizofrênico de abordagens distorcidas do marxismo. Sua obra é nos nossos dias rejeitada, tida como patética pela maioria dos estudiosos marxistas.
Hoje, o Stalinismo é sinônimo de horror e tirania. No XX Congresso do PCUS, Nikita Kruschev apresentou ao mundo o relatório dos crimes cometidos por Stalin enquanto presidiu a URSS. Atualmente, pouquíssimas organizações políticas se encorajam a reivindicar o legado deste ditador que, de forma justa, foi colocado ao lado de tantos outros ditadores sanguinários do século XX. É bom que se reafirme que o ditador soviético se configurou em um dos maiores inimigos do marxismo.
A derrota do Stalinismo foi um alívio para o pensamento dialético e uma vitória dos marxistas, que hoje pensam a construção do socialismo sob as lições abomináveis de como se é possível distorcer uma ideologia para fins próprios.

CRÉDITOS:

Revisão textual: Regina Vilarinhos

quinta-feira, 22 de março de 2012

Deus é feio, mas me ama.

Por Adelson Vidal Alves


Escrevi um pequeno texto em meu blog intitulado “Deus é feio”, que teve relativa repercussão em meu círculo de amigos.  Acho que cometi um erro, quando propus uma temática  tão polêmica usando de um espaço pequeno. Recebi críticas ferrenhas e esperadas de muitos cristãos, mas estranhamente também de ateus e agnósticos. Mais uma vez consegui a proeza de não agradar ninguém.

Pois bem, o artigo que agora apresento, não tem nenhuma pretensão de acabar com estes desagrados, mas principalmente tentar clarear uma posição pessoal que ora tomo sobre minha fé. Aos ateus cientificistas não creio que tenha alguma utilidade, aos religiosos convencidos de uma verdade imutável, tão pouco. Ele é fruto de uma reflexão íntima que transformou muito a ideia de Deus que tinha.

Inicio dizendo que não sou daqueles que aguardam ansiosamente a comprovação definitiva da ciência sobre Deus. Minha fé na divindade é algo que brota do meu interior e que dispensa qualquer necessidade de comprovação ou evidência científica. Aliás, acho que a fé é isso, crer sem exigir contrapartida.

Contudo, a fé não está necessariamente divorciada da ciência. Quando lemos um livro, julgamos imediatamente o caráter do autor, e ainda que não o conheçamos, fazemos nossas considerações íntimas sobre ele. Deus não cabe na lente de um microscópio, como disse Leonardo Boff “O dia que a ciência encontrar Deus, teremos a prova de que ele não existe”. Todavia, a criação divina não ficou oculta e através de mecanismos desenvolvidos por nossa razão, podemos hoje entender um pouco de como tudo surgiu sem precisar consultar um guia espiritual.

A proposta do primeiro artigo não era confessar minha conversão ao “ateísmo”. Mas (sim! confesso), chocar de alguma forma os tantos crentes que vão ao extremo de uma fé conformista. Se a ciência vem demonstrando que na criação estão presentes sinais de desordem e imperfeição, temos o direito de questionar porque ainda insistimos em pintar Deus como uma mistura de Superman e Gênio da Lâmpada. Ou seja, forte e com atributos de resolver todos os nossos problemas.

Porque será que exigimos de Deus a perfeição, a beleza, a simetria e a força? Seria ele, como sugerem os psicanalistas, apenas uma conversão de nossas frustrações? Uma espécie de ser modelado por tudo que desejaríamos ser e não somos? 
E se ele não for perfeito? Nem belo? Nem poderoso a ponto de controlar tudo que criou?

Tenho certeza que muitos crentes cairiam em total decepção se tais hipóteses se confirmassem, afinal, não se contentam com o amor que dele provém. Queremos uma proteção, um herói e heróis não são fracos, não perdem batalhas e estão sempre prontos para nos salvar do perigo.

Certa vez fui perguntado: “Porque Deus nos fez assim e não de outra forma?” Respondi que talvez o próprio Deus nos tenha feito por acidente, sem ter previsto o resultado de sua obra.

Sabe aqueles chutes no futebol que parecem ir à torcida adversária, mas de repente esbarram na cabeça de alguém e se transforma num golaço? Pois é, de repente somos este golaço. Nós e todo o cosmos podemos ser frutos desta casualidade. Não seríamos, assim, criaturas projetadas, mas simplesmente resultado do acaso.

Deus, nesta perspectiva, não teria controle sobre o que criou. Não intervém em seu próprio acidente. Não age com certezas, erra com a gente, sofre com agente, numa prova clara de amor e cumplicidade. Este Deus se entrelaça em nossa mente e em toda a criação.

Peço desculpas por não ter certeza, por meus conflitos cotidianos e talvez até por curiosidades desnecessárias.

Não escrevo para convencer ninguém sobre minha fé e muito menos ferir a esperança dos que se contentam com a revelação hebraica de Deus. Até porque, ainda me restam forças para dizer que sou cristão, ainda que não comungue, não me confesse e muito menos frequente missas dominicais. Sou cristão porque creio no Deus revelado por Jesus, confirmado em sua encarnação humana em um pobre, que viveu, sofreu e morreu como um marginal, bem longe das perspectivas perfeccionistas de nossa cultura.

Revisão textual: Regina Vilarinhos

segunda-feira, 19 de março de 2012

Deus é feio

Por Adelson Vidal Alves           

"Se nós descobrirmos uma teoria completa, então nós conheceremos a mente de Deus"
Sthepen Hawking, cosmólogo



    
              Acordamos pela manhã, contemplamos o horizonte e logo temos a certeza que a natureza é bela, que o universo é harmônico e que tudo que nos rodeia é dotado de uma perfeita ordem. Imaginamos que as coisas que compõem o mundo são todas conectadas umas as outras, e percebemos que por trás da complexidade da vida existe um projeto detalhado, coordenado por algo consciente, sem o qual tamanha simetria jamais poderia existir. Em resumo: temos a impressão  que há beleza (entendida como sinônimo de simetria) e equilíbrio em toda a criação.
            Para nossa surpresa, não é apenas a religião que se move pela certeza de que diante de tamanha sofisticação da vida e do cosmos deve haver uma senha que decifre todo o funcionamento de nosso sistema cósmico. Os cientistas, desde Einstein, o pioneiro nesta questão, buscam incansavelmente uma teoria que possa explicar definitivamente como tudo funciona, certos que estão da existência de uma unidade dentro da complexidade criativa.
            Mas será possível encontramos um conjunto de leis que dê conta de toda a sofisticação da criação? No que depender do físico Marcelo Gleiser a resposta é PROVAVELMENTE NÃO.
            Em seu belíssimo livro Criação Imperfeita, Gleiser nos faz repensar os paradigmas da busca científica, e principalmente as razões pelo qual nos movimentamos para buscar verdades que mal sabemos se existem.     O renomado físico brasileiro, radicado nos EUA, vai ainda mais além e nos apresenta um sistema cósmico e vital completamente desordenado, assimétrico e imperfeito. Ou seja, toda a beleza que julgamos ver, provavelmente é fruto de vários acidentes caóticos e assim resultado da assimetria e do desequilíbrio.
            A vida, o cosmos e toda criação talvez não sejam tão belos e, tão pouco, frutos de alguma força ordenada e equilibrada. Pode ser que o imperfeito, o feio e o assimétrico tenham produzido o mundo encantado pelo qual prestamos culto diariamente.
            O Deus cristão perfeito talvez resulte de nossa vaidade, que rigorosamente lhe atribui o que de mais belo e simétrico construímos em nossa cultura. O verdadeiro Deus que impulsionou a criação pode ter uma mente distante de nossos padrões perfeccionistas. Este Deus é feio, com pensamento desordenado e caótico, porém com preciosa capacidade criativa. Este Deus, a ciência começa a nos mostrar, ainda que sua verdadeira plenitude não esteja a nossa alcance, pelo menos não pelos mecanismos tradicionais da metodologia científica.

Revisão textual: Regina Vilarinhos

segunda-feira, 12 de março de 2012

O voto no Brasil

             Por Adelson Vidal Alves



             As eleições livres são parte importante de uma democracia. No Brasil, a ausência de uma reforma política de caráter democrático, faz com que a escolha dos eleitores esbarre no abuso do poder econômico. Sem o tão necessário financiamento público exclusivo de campanha, apenas os candidatos de altos recursos logram sucesso eleitoral, salvo raríssimas exceções.
            Entretanto, o processo eleitoral não deve ser ignorado, como propõe parte da esquerda. O Estado moderno, ainda que sob a hegemonia burguesa, é espaço de luta das classes trabalhadoras e ferramenta indispensável para o avanço de direitos sociais, principalmente em tempos aonde o mercado vem engolindo a cidadania popular.
Em resumo, abdicar de disputar as eleições ou mesmo ignorar uma disputa para avanços neste espaço, seria deixar campo vago para a consolidação de um poder exclusivamente conservador.
Houve ocasiões em que partidos de esquerda e de direita estavam claramente delimitados. Mas em plena “modernidade líquida”, para usar o termo usado por Zigmunt Bauman, onde tudo se esfacela, é preciso muito mais do que apenas a leitura de uma sigla para definir o campo ideológico de uma legenda. Por aqui, o Partido dos Trabalhadores governa para o capital, o socialdemocrata é neoliberal e o democrata remanescente da ditadura. Tudo se confunde na cabeça dos eleitores, cada vez mais ligado em pessoas do que em partidos.
A composição do congresso nacional e dos governos executivos na atualidade mostra a inclinação conservadora de nossos votos. Pouca gente se arrisca em falar abertamente contra o sistema, ou mesmo defender temas de alta polêmica. Para ganhar o voto vale se comprometer a não mexer em nada tão profundo, chegando ao máximo em compensar a tragédia social em que se inserem milhões de brasileiros.
Diante de um cenário tão desordenado, não é fácil estabelecer um critério coerente de voto. No nosso caso, acho que ser coerente seria ser incoerente, afinal as instituições sólidas do tempo passado, que formavam mais ou menos a homogeneidade de nossa política, encontram-se em processo de desintegração. O rico caldo cultural da sociedade civil brasileira se encontra em uma disputa sem padrões estáveis e, por isso, sem muito recorte ideológico ou mesmo de classe que indique o caráter do voto. A situação se agrava porque os partidos se divorciaram dos programas, deixaram bandeiras estruturais e se concentraram nas conjunturais.
Votar bem hoje significa ter mais atenção quanto ao conjunto de propostas de um candidato, sua inserção nas lutas sociais, sua relação com os movimentos populares, seu posicionamento frente temas contemporâneos como a laicidade do Estado, tão ameaçado por bancadas religiosas e, principalmente, por um discurso claro em relação às questões centrais de nosso país, cidade ou estado.
Obviamente os partidos políticos devem ser avaliados na hora da escolha do voto, mas não se pode ignorar a complexidade moderna, assim como a metamorfose política das legendas eleitorais. Ser de esquerda é muito mais que criticar a desigualdade social, assim como ser de direita não se resume a exaltar o caráter auto-regulador do mercado. Muita coisa mudou e precisamos estar atentos à elas.

Créditos:

Revisão textual: Regina Vilarinhos

quarta-feira, 7 de março de 2012

Mulheres

Por Adelson Vidal Alves


Há datas comemorativas que servem de referências identitárias e o Dia Internacional da Mulher é uma delas. Ele remonta uma manifestação de operárias de uma fábrica de tecidos em Nova Iorque, no dia 8 de Março de 1857, onde as manifestantes sofreram brutal repressão que deixou um saldo de cerca de 130 mulheres mortas e carbonizadas, depois de serem trancadas na própria fábrica.
O 8 de Março passou a ser considerado “Dia Internacional das Mulheres” no início do século XX, mas só recebeu caráter oficial da ONU em 1975.
Desde o protesto das operárias americanas, as mulheres em todo mundo vem acumulando vitórias sucessivas na luta por seus direitos. Ampliaram-se significativamente leis de proteção à sua integridade física e moral, assim como sua integração no mercado de trabalho e no processo de educação formal. Contudo, ainda há muito que ser feito.
O senso demográfico do IBGE de 2010 demonstrou que a renda salarial das mulheres representa apenas 70% da renda masculina, apesar de terem mais anos de estudo. Só na Região Nordeste, por exemplo, a média de estudo das nordestinas chegam à 6,4 anos, enquanto a dos homens não ultrapassa 5,6.
Apesar de leis como “Maria da Penha”, a violência contra as mulheres está longe de ser extirpada. A ONG “Centro 8 de Março”, com sede em João Pessoa, divulgou recentemente dados que mostram que só em fevereiro  deste ano, 18 mulheres foram assassinadas na Paraíba, um número que, comparado ao ano passado, cresceu cerca de 200 %. 
Entretanto, as mulheres não morrem só por assassinatos. Segundo dados do próprio Ministério da Saúde, a morte ocasionada por abortos já é a terceira causa de mortes maternas no país. O principal motivo é a criminalização da prática abortiva, que obriga milhares de mulheres recorrerem a clínicas clandestinas de aborto, devido à total falta de perspectiva do futuro. Ainda segundo dados do próprio governo, a maioria das mulheres que perdem a vida com abortos é oriunda das camadas mais pobres.
O atraso do Brasil em discutir a questão do aborto, rendeu em fevereiro deste ano críticas profundas de peritos da ONU, que cobraram do Governo Dilma políticas públicas neste campo. “As mulheres vão abortar, esta é a realidade” disse Magaly Rocha, umas das peritas, seguida de um questionamento direto de uma de suas colegas à presidenta: “O que vocês vão fazer com este problema enorme que tem?”.
O tema do aborto no Brasil é envolto a uma dimensão profundamente religiosa. Nas eleições presidenciais de 2010, as igrejas jogaram peso na questão do aborto obrigando a maioria dos candidatos a recuar em sua posição. A igreja ainda é uma das guardiãs da cultura machista da contemporaneidade. O catolicismo, por exemplo, resiste até hoje ao sacerdócio feminino, enquanto a maioria das igrejas protestantes insiste na superioridade masculina na organização da família.
Nossa sociedade é o reflexo da formação judaico-cristã e herdeira de seu imaginário machista. A superação deste reacionário ambiente cultural passa por uma luta cotidiana de organização das mulheres, que conquistaram muito, mas ainda há muito que conquistar.

domingo, 4 de março de 2012

PCB 90 anos: Disputa pela memória

Por Adelson Vidal Alves


            Em Março de 1922, nascia o PCB (Partido Comunista do Brasil). Ao contrário dos comunistas argentinos, que já se organizavam em partido desde 1918, através de uma ruptura à esquerda com o Partido Socialista, o PC do Brasil foi fundado por militantes predominantemente de origem anarcosindicalista, já que neste momento não havia no país um Partido Socialista .
            No ato de fundação, havia 9 militantes, que se reuniram no Rio de Janeiro e em Niteroi entre os dias 25, 26 e 27 de Março. Os fundadores representavam 73 filiados de todo o país, que haviam se convertido ao comunismo. A maioria dos primeiros dirigentes do "Partidão" não conheciam a fundo o marxismo, estando muito mais próximos dos desdobramentos da revolução de Outubro, do que do rigor teórico do marxismo. Conta-se que após o encontro, os participantes entoaram a Internacional Comunista em voz baixa, afim de não acordar as tias do fundador Astrojildo Pereira, donas da casa em que se finalizava o Congresso.
            A debilidade de nosso marxismo e a absorção acrítica dos documentos ortodoxos da URSS, legou uma história oscilante do PCB, que ora prestava formidável contribuição a cultura nacional e ao movimento operário, e em outro momento caia em sectarismos infantis, quando no episódio do conhecido "obreirismo", momento em que o partido expulsa intelectuais da direção , insistindo na centralidade da direção revolucionária na mão da classe operária. Malgrado oscilações as vezes bizarras, não se pode pensar a formação do Brasil contemporâneo sem que se coloque os comunistas brasileiros como protagonistas das principais lutas de nossa soberania nacional.
            Neste ano de 2012 em que se completa 90 anos de fundação do PCB, uma polêmica surge nos meios políticos e acadêmicos. Pelo menos dois partidos reinvindicam o direito a sua memória de origem: O PC do B (que manteve-se como Partido Comunista do Brasil), hoje base do governo Dilma e o PCB (Partido Comunista Brasileiro) uma agremiação pequena e com pouca influência nos setores operários.
            A discussão começa já em 1956, ano em que se realiza o XX Congresso do PCUS, e momento no qual são denunciados os crimes de Joseph Stalin. Os ecos da discussão do congresso racharam o PCB em dois grupos. De um lado os que defendiam uma auto-critica pública sobre os desvios Stalinistas, e do outro, àqueles que permaneciam firmes em favor da ortodoxia partidária. Entre estes últimos estavam João Amazonas, Diógenes Arruda e Mauricio Grabois, uma espécie de núcleo duro do que viria ser mais tarde o  PC do B.
            Amazonas, Grabois, Arruda e outros, seriam afastados dos cargos de direção em Agosto de 1957, numa reunião do Comitê Central, acusados de serem os responsáveis pelo sectarismo de tempos anteriores.
           Os conflitos entre os dois grupos se agravou em 1958, depois da divulgação da chamada "Declaração de Março de 58". Neste momento, a direção do PCB apresenta uma nova e correta estratégia de revolução no Brasil. Deveria-se a partir daí, segundo o documento,  concentrar forças em lutas graduais e eleitorais, retirando por completo a perspectiva insurrecional e guerrilheira. Tal estratégia, a unica possível para a revolução em país complexos como o Brasil já naquele momento, foi nomeada por Gramsci de Guerra de posição.
           João Amazonas e seu grupo, contudo, denunciavam o que eles chamaram de "revisionismo" e seguiram ainda mais rapidamente para um processo de ruptura, que se concretizou em 1962, quando foi lançada a "Carta dos cem", uma espécie de manifesto  contra as mudanças estatutárias propostas pela direção. Os rebeldes foram expulsos e vieram a fundar o PC do B.
           A existência de dois partidos comunistas no Brasil, apesar dos enfrentamentos originais, viria se caracterizar por uma coexistência relativamente harmoniosa. O PC do B caminhou para uma linha mais extremista, e chegou a organizar guerrilhas para resistir ao golpe militar de 1964, como a Guerrilha do Araguaia. Assim como os outros grupos da esquerda armada, foram massacrados pelas forças da repressão, onde ficou claro o equivoco interpretativo do grupo de Amazonas, que não conseguiam enxergar a complexidade de nossa realidade nacional, no qual não cabia luta armada dentro de uma estratégia maoista conhecida como "Guerra popular prolongada". O PC do B demorou vencer seu sectarismo chegando a ter a Albânia como farol da revolução mundial.
           A disputa pelo legado de 1922, talvez exija mais tempo e espaço para debates. Ainda que os argumentos do PC do B de hoje, se sustentem muito mais em saudosismos do que em referências históricas. Mas nem por isso o partido de Jandira feghali, Renato Rabelo e Aldo Rebelo, deixarão hoje de comemorar os 90 anos. Mais do que a disputa pela memória se faz necessário uma reflexão ampla sobre os rumos do comunismo brasileiro, que hoje me parece as escuras.