Por Adelson Vidal Alves
Em maio deste ano, o rapper MC Emicida
foi preso por desacato ao incitar o público a fazer gestos obscenos
contra policiais. Antes de começar um show, o cantor teria pedido para os
presentes levantarem o dedo do meio contra os policiais que desocupam
pobres de sua moradia. Como rebeldia também pode virar glamour, não
faltou quem reverenciasse o artista, e consequentemente, demonizasse os
policiais que o prenderam. Como o assunto que quero tratar não tem a ver
com este episódio, paro em minha conclusão que Emecida cometeu sim
crime de desacato, além de demonstrar total desconhecimento da
engrenagem da violência do Estado contra os pobres, do qual a polícia é
apenas uma parte.
Acontece
que Emicida volta a ser motivo de reverência, por conta de uma mensagem*
sua que circula pela inernet. Nela o rapper condena um quadro de humor
do programa Zorra Total, onde Adelaide, personagem de Rodrigo Sant`ana,
estaria sendo instrumento de difusão da discriminação racial. Escreve o
cantor: "Voltei do Jantar agora a noite e a Van, dessas moderninhas que tem
televisão e tudo mais, estava transmitindo Zorra Total, Já havia visto
uma vez alguma manifestação, talvez através do Geledés que aquele
personagem que estereotipa a mulher negra suburbana era extremamente
racista e contribuia fortemente com a desvalorização (maior ainda?!?!?)
da mulher preta em nossa sociedade ( e olha que é dificil conseguir
desvalorizar mais ainda a mulher negra em nossa sociedade )". Segue Emicida no segundo parágrafo. "Elas Recebem menos, tem suas caracteristicas fisicas criminalizadas por
uma ditadura eurocêntrica de beleza (isso se aplica aos homens pretos
também), são abandonadas, representam uma porcentagem monstruosa das
adolescentes grávidas e das mães solteiras, das que não conseguem um
(bom) emprego e quando conseguem retornam cansadas ao sábado a noite
para suas humildes casas para ser alvo de um quadro extremamente racista
onde são humilhadas por um programa de humor (que nem engraçado é pra
começar, Zorra total é ruim pra caralho ) no maior canal de televisão do
País". O autor da mensagem ainda cita os debates em torno das
obras de Monteiro Lobato e do racismo, assim como as iniciativas
governamentais em favor da população negra.
Emicida
não é o primeiro que ataca a personagem (outros chegaram ao cúmulo de
tentar impedir que o quadro fosse ao ar). Nada disso me estranha em
tempos de patrulhamento racial, de políticas diferenciadas baseadas na
cor da pele, na imposição de cotas raciais a Universidades
contitucionalmente autônomas, na condenação judicial por racismo de
artistas negros como Luiz Caldas e Alexandre Pires, na censura descabida
a obras de Monteiro Lobato. Enfim, não me assusta que a paranóia de
militantes racialistas ganhe eco em uma sociedade que prefere reparar
uma parte cruel de nossa história, apoiando políticas compensatórias a
supostos descendentes da vítima, do que tocar a fundo na ferida e
resolver os fenômenos do presente com as armas do presente.
O
racismo é realmente um fenômeno terrível. Não atravessa séculos como
diz Emicida na mensagem. Como ideologia ele nasce no século XIX, em meio
ao imperialismo e a necessidade de justificar a dominação dos países
europeus em territórios africanos. Se ele obteve êxito, a chave deve ser
procurada na idéia do senso comum de que os seres humanos se dividem em
raças. Até mesmo a ciência daquela época apoiou o pensamento de que os
seres humanos se dividem em grupos raciais diferentes. Nos dias de hoje,
sabemos que cientificamente é impossível recortar nossa especie por
grupos biológicos comuns. Ou seja, raças não existem.
O
racismo teria assim chegado ao fim? Infelizmente não. Em parte agradeça a
movimentos e pessoas, que como Emicida, querem perpetuar a delimitação
da espécie humana por paradigmas raciais.
Ainda
na carta, o músico fala que Rodrigo santa`na está se aproveitando da tragédia
da comunidade negra, e que esta sofreria os preconceitos de uma ditadura
estética do eurocentrismo. Concordo em parte. Se formos por esta lógica, inclusive,
seria justo condenarmos as piadas de gordos, anões, desdentados,
caolhos etc. Todos estes são objeto de humor faz tempo, sem merecer
mensagens de indignação.
Proteger
e ampliar os direitos das minorias é algo legitimo e necessário.
Contudo, devemos pensar que precisamos de políticas e ações voltadas
para resoluções universais. No que diz respeito a raça, o assunto requer
atenção dobrada. O próprio movimento negro, em sua maioria, trabalha
duro para que não se elimine da consciência coletiva o senso comum da
divisão racial humana. Vale policiar, romantizar e rotular o debate,
desde que o Estado e a sociedade abracem a ideologia do reparo, que
feche os olhos para problemática contemporânea e se concentre em agir
setorialmente em nome de uma justiça histórica. O racismo só vai ter fim
quando enfim pensarmos como uma grande comunidade global, unidos pela
identidade de espécie, sem hierarquias étnico-raciais. Não contribui em
nada policiar o racismo dando combustivel para seu principal alimento: a
ideologia da raça.
* A
mensagem de Emicida pode ser lida em:
http://ppaberlin.com/2012/09/30/mensagem-do-mc-emicida-sobre-o-programa-racista-zorra-total-da-tv-globo/
Gosto do Emicida, cara. Acho as letras dele muito inteligentes, mas esse problema de racismo (de duas vias), já encheu o saco. De um lado os neo-nazi falando que a "raça" branca é superior, de outro os "afro-wathever" falando que a "raça" negra é injustiçada. Precisamos nos conscientizar de que somos todos feitos do mesmo excremento. A raça humana é uma só. E já tá difícil de aturar...
ResponderExcluir" e só o dono da dor sabe o quanto dói". Uma frase do texto do Emicida que, por acaso, não vi sendo citada por aqui. Ela diz tudo. Falar de fora, é mole. Querer discutir raça sobre o ponto de vista genético não passa de lamentável. Os olhos enxergam cor da pele ou enxergam genes? Enxergam se a pessoa se encaixa no molde da Gisele Binchem (sim, não ligo como se escreve esse nome) ou não. A avaliação é mais do que qualquer outro caso, superficial. Importa mais a aparência do que a personalidade.
ResponderExcluirNinguém toma porrada nas blits por ser baixo, caolho, loiro, de olho azul. Ou toma? Não. Se toma, os motivos são outros. A fila de soldados dando porrada na nuca de malandros pretos, mulatos, e brancos quase pretos de tão pobre existe, e vai existir por muito tempo, infelizmente. Achar que somos todos iguais é o papo mais utópico de todos. Mas, se um dia as diferenças forem respeitadas (o que também não deixa de ser bastante utópico), as portas abrirão da mesma forma para todos. Aí sim, podemos dizer com todas as letras que somos todos iguais. E, com certeza, personagens como esses deixarão de aparecer.
Veja essa Adelson!
ResponderExcluirhttp://www.estadao.com.br/noticias/geral,marta-suplicy-cria-edital-para-artistas-negros,941139,0.htm