sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O movimento Negro e o mito da raça

Por Adelson Vidal Alves

            
             No inicio do século XIX, por ocasião da vinda família real portuguesa para o Brasil, alguns artistas que compunham a comitiva de Dom João VI sugeriram ao mesmo a importação de modelos europeus, argumentando que os nativos de nossa terra não serviriam para elaboração de seus trabalhos, numa visão clara de inferiorização dos modelos de matrizes africanas que aqui estavam.
            Em 1933, o sociólogo Gilberto Freire publicou seu grande clássico Casa Grande e Senzala. Polêmico, o livro critica a idéia de desqualificação da mestiçagem, ao mesmo tempo que insinua que a negritude era incorporada nos mestiços de forma subalterna, perdendo assim, suas particularidades. Por fim, Freire tinha por interesse demonstrar que no Brasil a “mistura racial” criou um ambiente de vivência cordial entre as raças.
            Na Alemanha Nazista, as leis de Nuremberg levaram ao extremo a Eugenia, proibindo matrimônios e relações sexuais entre alemães e as chamadas “raças inferiores”.
           Pode parecer estranho, mas há algo em comum entre estes três relatos. Nenhum deles poderia se sustentar se nestes períodos históricos estivessem cientificamente claro, como nos dias de hoje, de que os seres humanos não se dividem em famílias raciais. O avanço da genética jogou por terra a tese de que a cor da pele ou traços estéticos de um ser humano possa ser base de separação racial entre os homens.
           Entretanto, o “mito da raça” sobrevive, ganhando cada vez mais espaços institucionais, e de forma paradoxal, o principal agente desta luta é o chamado movimento negro, que se dizem organizar na luta por igualdade racial.
            O ano de 1978 é apontado por especialistas como o inicio de organização do movimento negro no Brasil, quando um grupo de manifestantes protestaram nas escadarias do teatro de São Paulo contra a morte de um operário negro na delegacia de policia e a expulsão de 4 atletas negros de um clube paulista. Daí em diante, através de várias oscilações reivindicativas, o movimento cresce e consegue significativa projeção no ano de 1988, exatamente no centenário da abolição, momento em que a deputada Benedita da Silva leva para a assembléia constituinte demandas do movimento. Nesta ocasião, se incorpora a constituição brasileira leis de corte racial. Mesmo que houvesse divergências dentro das várias entidades racialistas que surgem com mais força neste período, o setor hegemônico que prevalece são exatamente aqueles que defendem a inclusão de órgãos de caráter racial nos espaços estatais. Desta forma, podemos perceber que em várias esferas governamentais surgem organismos de governo compostos por negros na intenção de pensar políticas públicas de categoria racial.
            As lideranças do movimento trabalharam em cima do discurso de que as estatísticas mostravam uma clara desigualdade social entre negros e brancos. Sem a mínima preocupação de ser reducionista na simples divisão racial brasileira entre brancos e negros, o movimento vai começar a bater forte na tecla de políticas públicas que garantam formas privilegiadas de ascensão do negro na esfera social. A inspiração vem basicamente dos EUA, particularmente durante a gestão do presidente Nixon que patrocinou o conhecido “Plano Filadélfia” no final da década de 1960, que dava privilégios aos negros no ingresso ao mercado de trabalho. Hoje sabemos que apesar da óbvia ampliação de negros no mercado formal, os Estados Unidos convivem nos dias atuais com uma cultura segregacionista.
            Sem querer desqualificar por completo os números de instituições sérias que atestam a excussão social negra, devemos adotar uma postura crítica a certos discursos de linha de frente do movimento negro. Muitos deles mostram que a renda dos brancos é quase o dobro da renda dos negros. Pois bem, o cientista político César Benjamim em seu belo artigo Racismo não, republicado no livro Bom combate, demonstra que a alta renda dos chamados brancos se explica pelo fato de que a grande concentração de renda está nas mãos de milionários e bilionários da chamada cor branca. Com tanta renda e propriedade na mão de poucos brancos, numa metodologia de divisão per capta da renda, é claro que os brancos, considerados minoria por estas estatísticas, irão ter seu padrão de vida mais alto do que a dos negros. Todavia numa analise mais profunda podemos chegar a conclusão que no Brasil vigora uma pequena elite econômica privilegiada no topo da pirâmide social, convivendo com uma ampla maioria na base excluída de serviços básicos do Estado, estes não são apenas negros. No Brasil a pobreza tem todas as cores.
            Seja como for, é fato que entre as décadas de 1990 e inicio do século XXI, particularmente na gestão petista no poder central do país, as políticas raciais ganharam significativa força institucional. O governo Lula criou uma secretaria para tratar assuntos raciais, apoiou programas de qualificação profissional direcionados as chamadas comunidades afrobrasileiras, além é claro do incentivo da criação de cotas raciais em várias universidades públicas.
            Parece bizarro, mas houve momento em que o deputado Vicentinho (PT-SP) propôs um projeto de lei que oficializava o “Hino a Negritude”, composição do professor Eduardo de Oliveira. O deputado petista justificou o projeto como sendo uma forma de lembrar a importância da cultura negra na formação da identidade brasileira. Contudo,  a letra do hino enaltece a raça negra no estilo de quem historicamente sempre quis fazer prevalecer a cultura opressora. Nos versos “Levantado no topo dos séculos, mil batalhas viris sustentou, este povo imortal QUE NÃO ENCONTRA RIVAL..” percebe-se claramente que a idéia não é valorizar um aspecto cultural de matriz africana na construção do cenário brasileiro, pelo contrário, a auto-exaltação da negritude ignora a faceta multicultural de nossa formação nacional, quebrando assim o esforço histórico da criação de laços fraternais dentro de uma nacionalidade culturalmente plural. Hitler teria feito algo parecido em relação a raça ariana.
            Por fim, chegamos ao ponto alto e recente da “racialização” do Estado brasileiro. Em 2010 foi aprovado o Estatuto da Igualdade Racial. Em sua proposta original, a igualdade republicana era totalmente ignorada.  Falava-se de cotas para apresentações culturais, incentivos fiscais a empresas que contratassem e negros e pasmem, criava uma política de saúde especifica a comunidade negra, como se houvesse na anatomia humana cromossomos raciais. O texto foi aprovado com modificações, mas ainda sim firma o caminho desastroso da construção de um Estado brasileiro “racialista” e “segregador” que ao invés de centrar ações universalizadoras faz opção por dividir a nação em paradigmas de raça, conforme padrões de séculos passados.
            Neste 20 de novembro, dia da Consciência Negra, é dever de cidadãos refletirmos os caminhos que devemos seguir como nação, seja para fortalecermos o espírito de igualdade republicana ou para manter os preconceitos de segregação que atormenta nossa história

2 comentários:

  1. Olá, meu nome é Isabel Ferrazoli e sou editora assistente do selo infantojuvenil Mundo Mirim. No momento estamos produzindo um livro, cujo autor utiliza como referência uma foto divulgada neste site. Gostaria então de saber da possibilidade de reprodução da foto e, caso seja positiva, a quem devo enviar os termos do uso de cessão de imagem. Muito obrigada.
    Isabel Ferrazoli (11) 3823-1060

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