Por Adelson Vidal Alves
Zigmunt Bauman, o famoso sociólogo polonês, cunhou o termo “modernidade
líquida” para caracterizar os tempos atuais onde tudo perde solidez, e as
pessoas, valores e sentimentos ingressam em um grande mercado, onde as
mercadorias são rapidamente descartadas ao gosto liquido do consumidor. Diante
desse descarte constante de coisas, nem mesmo o mais supremo e metafísico dos
sentimentos escapa. O amor, que desde sempre fez casais enamorados suspirarem em
noites enluaradas, também seria um objeto na sociedade dos consumidores. A
pessoa amada apenas atenderia aos padrões temporários do gosto do consumidor, e
como tudo é líquido e se desfaz rápido, essa logo deixará de seduzir aquele que
consome, será trocada por outra mercadoria. A era dos amores duradouros e do “eu
te amo pra sempre” teria chegado ao fim (essa tese é desenvolvida no livro “amor líquido” do mesmo autor polonês).
Tal avaliação, claramente pessimista para os românticos, se
levada ao pé da letra, nos faria desistir de costumes e tradições que sustentam
a maior parte das sociedades ocidentais. Nisso, não devemos subestimar o papel
de nossa cultura judaico-cristã, que moldou o padrão monogâmico dos
relacionamentos e deu graça divina a união entre dois seres, supostamente
unidos pela vontade do criador.
No entanto, sob a ótica de psicanalistas, sociólogos,
antropólogos e filósofos, o amor metafísico dá lugar a análises mais concretas,
e são desvendados como mecanismos da natureza humana e sua cultura. Nesse caso,
não seria o caso de falar em amor no termo mágico, mas em amores, inventados
pela subjetividade, construídos sob obrigações sociais, exigidos pelo medo da
solidão e a carência, formados para se exibir como núcleo da felicidade. Nesse
mundo amoroso, difundido pela virulência das novas redes sociais, ele se torna
o grande teatro sentimental, e quem não ama tem o inferno dos pagãos
descrentes, afinal, não amar é sempre sinônimo de frustração e mau humor, nunca
de olhar crítico.
Mas o que a realidade grita aos nossos olhos é o triunfo
absoluto do amor líquido, fundado nos alicerces frágeis da estética e do êxito
material-financeiro. Como as pessoas são mercadorias, elas precisam agregar
valor, para serem melhores consumidas nas sociedades dos consumidores. A internet vende tais pessoas, com a promessa
de lhes pouparem o drama do olho no olho e o trauma da rejeição, tudo acabaria
com um simples offline.
Como o ser humano é cultural, ele inventa mundos, dá sentido
ao que a vida se apresenta como sem sentido. Por isso as religiões, os rituais
fúnebres, as supertições de fins de ano, a música, a arte. Tentar eliminar essa
dimensão humana seria, a principio, uma perda de tempo. Na consciência
alienada, muita coisa sai das nossas mãos para uma realidade supraterrestre. Nós,
humanistas, temos dificuldade em lidar com isso. Talvez estejamos errados.