sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Raça e racismo


 Por Adelson Vidal Alves
Aqui existem raças

Aqui NÃO existem raças.

             Participando ano passado de um seminário sobre racismo, vi uma jovem na platéia levantar-se, dirigir-se a mim e afirmar: “Na escravidão os negros sofreram muito racismo”. A afirmação da moça faz parte de um imaginário hegemônico dentro do senso comum, segundo o qual a história da escravidão seria a história da discriminação de uma raça sobre outra.
            Mesmo com um significativo consenso entre historiadores e cientistas sociais quanto à natureza econômica dos interesses escravocratas, ainda sim, militantes do movimento negro organizam cursinhos e ensinam aos alunos uma história racializada, jogando o fardo da escravidão nas costas da “raça” branca e seus descendentes.
            Os negros trazidos para América como escravos, chegavam aqui entre acordos das elites, que envolviam traficantes e governantes de pele negra. Mesmo o modelo jurídico escravocrata, abria brechas para que um negro pudesse obter outro negro como escravo, assim que conseguisse sua alforria.
            O Racismo, assim, é um fenômeno moderno, particularmente do século XIX. Neste momento, as potências européias iniciam suas conquistas coloniais na África e Ásia, e necessitavam, portanto de um apoio da opinião pública de seus respectivos paises. Motivo pelo qual mobilizaram centenas de cientistas, médicos e antropólogos, que passaram a classificar os nativos de acordo com a raça, distribuindo, a partir desta classificação, direitos e deveres.
            A divisão racial entre os seres humanos remonta tempos mais antigos. Contudo, as raças eram vistas apenas como recortes estáticos da natureza humana. Apenas com o darwinismo, criou-se uma ideia de que algumas “raças” evoluíram e outras não. Montando-se assim uma hierarquia racial.
            As rotulações dadas pelos europeus modificaram por completo o modelo social africano, que antes se organizava a partir de clãs, e, após a chegada dos europeus, passaram a se ver em tribos étnicas. E como se percebe ainda nos dias de hoje, as rivalidades entre os vários grupos diferentes são causas de genocídios e segregação.
            O racismo, então, é uma ideologia criada como legitimação do mercantilismo do século XIX. Sua invenção contou com apoio “científico”, onde cientistas escorados num pseudodarwinismo montavam pesquisas demonstrando a inferioridade moral e intelectual de várias raças.
            Foi somente na virada do século XX para XXI, que as ciências naturais desenvolveram mecanismos avançados no campo da genética, que demonstraram de forma factual que raças biológicas entre os humanos não existem, são seres “monotipicos”. Toda forma de ideologia e políticas governamentais sustentadas na ideia de raça, como a Lei Jim Crow nos EUA, já não tinham mais em que se apoiar, pelo menos no que diz respeito à objetividade cientifica.
            Seria assim o fim do racismo e das políticas racialistas? Infelizmente, não.
            Sem nenhum amparo nas ciências biológicas, a ideia de raça só sobreviveria a partir de uma profunda reengenharia política. Tal malabarismo ideológico viria, entretanto, não mais de forma acentuada por parte das elites racistas, mas sim de um movimento negro organizado, que se firmou em reivindicações de reparação histórica por parte do Estado em relação aos negros.
            A chave para a sobrevivência da “raça” está no que chamamos de “multiculturalismo”. Os novos inventores da raça já não medem crânios e nem recorrem a mapeamentos genéticos para suas comprovações raciais. A nova estratégia consiste em ligar automaticamente uma raça a um determinado padrão de cultura.
            Os negros, desta forma, estão diretamente ligados às manifestações culturais conectadas com a tradição africana. Ao contrário da dinâmica que caracteriza a cultura humana, o multiculturalismo, joga manifestações sociais complexas e heterogêneas na conta do gene individual. Negros, brancos e pardos estariam, assim, obrigatoriamente ligados a uma determinada cultura. 
            O movimento negro moderno, encampa a idéia multicultural, a fim de inventar uma identidade, e a partir dela manipular a história para fins corporativos.
            As políticas racialistas não incluem socialmente, muito menos combatem o racismo. A insistência da raça por meio de movimentos corporativistas tem, na verdade, como fim a construção de um grupo homogêneo organizado em busca de leis de privilégio. O que, infelizmente, às vezes se traduz em votos para candidatos e partidos políticos.
            A sociedade só poderá superar as máculas do racismo, quando superar o conceito de raça. Afinal, as raças são invenções do racismo e não o inverso.

CRÉDITOS:

Revisão textual: Regina Vilarinhos
           

3 comentários:

  1. Adelson,
    Parabéns pelo artigo. Na condição de ativista contra o racismo tenho feito sistemática oposição às políticas públicas em bases raciais, por entende-las como a criação da ´raça estatal´, prejudicial ao combate ao racismo.
    De outro lado, não se compreende que militantes de partidos socialistas defendam políticas públicas não universalistas em que a igualdade tenha adjetivo de ´racial´.

    grande abraço,
    José Roberto Militão, adv.

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  2. Ola José Roberto. Penso exatamente como vc, a oficialização estatal da raça é algo extremamente perigoso e base de sustentação do racismo. Bom saber que não estou sozinho nesta luta. Um grande abraço.

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  3. Beleza de artigo, irmão.
    A idéia é justamente essa. A "questão racial" precisa ser imediatamente convertida em uma "questão social". Como integrante do Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (COMUPPIR), nossa primeira reivindicação (minha e do conselheiro do qual sou suplente), numa das primeiras reuniões, foi excluir o termo "racial" do nome do conselho.
    A não ser que ainda existam alguns neandertais por aí sendo discriminados, pois eles sim eram uma outra "raça humana".
    Abraços.

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