Por Adelson Vidal Alves
Hesitei em escrever este
artigo. Costumo ser lido mal, levado para campos ideológicos que não me
pertencem, visto exageradamente como inimigo de causas que também são minhas.
Mas o dever do intelectual é sempre provocar custe o que custar, aprendi isso
com o grande Chico de Oliveira, por isso, provoquei.
O que vou falar é sobre o
recente clipe do rapper voltarredondense Thiago Elniño. Já fiz isso com uma outra
música do cantor, em forma de carta aberta, que ele não respondeu. Entendo
perfeitamente sua postura, um músico tem mais o que fazer do que ficar
respondendo blogueiros atrevidos. Só que
novamente vou importunar sua figura pública com minha opinião, que não é dada simplesmente
por ser dada, mas por dever de alguém que milita desde sempre pela “des-racialização”
do Brasil. Vamos então aos pontos.
A música tem o título “Diáspora”,
que significa dispersão de um povo, no caso da canção, do povo negro, da África
para algum lugar. O refrão é taxativo: “Busque sua raiz ou morra pela raiz”,
uma convocação para o povo negro a reencontrar sua identidade racial, se reunir
como raça e viver como raça. Na estética do clipe a coreografia da
religiosidade de matriz africana, o posicionamento de quem quer chamar o negro
para assumir a sua posição racial. Nada a comentar sobre o conjunto musical e
poético, não tenho competência para isso, me interessa a mensagem, e essa tem
uma conteúdo perigoso: a de que existiria um “povo negro” de ancestralidade
comum.
Bem, é fato científico de que
tal visão não faz sentido, pelo menos não no Brasil. A genética vem comprovando
que a cor da pele em um país mestiço como o nosso não conta nada sobre suas
origens. Basta citar pesquisa emblemática do geneticista Sérgio Penna, da UFMG,
que testou o DNA de negros e brancos na busca de sua ancestralidade. O resultado é surpreendente. Neguinho da Beija
Flor, um dos voluntários da pesquisa, tem 70% de seu DNA vindo da Europa. Seria
ele na verdade branquinho da Beija Flor?
Essa realidade brasileira tem
explicação histórica e é simples: nunca tivemos em nossa história leis raciais.
Nos EUA, de onde se importa grande parte das políticas racialistas, permaneceu
por bastante tempo leis de discriminação racial, como as leis Jim Crow, que
separavam negros e brancos no uso de escolas, lugares de lazer e transporte
coletivo. Os casamentos inter-raciais só foram liberados em 1965. Por lá se vigorou
a Gota de sangue única, que taxava como negra toda a pessoa que tivesse nem que
seja um ancestral africano. Mesmo com uma abolição capenga, o Brasil jamais fez
algo semelhante.
Sem ter parâmetros científicos
para ligar pessoas de pele negra a uma ancestralidade racial comum, costuma-se
se usar a cultura como ponto de ligação. O cabelo, a religiosidade, o apreço
pelos tambores, a devoção por orixás, oxalás e oguns, tudo isso estaria
inserido como um chip na vida cultural dos negros, negar isso seria trair a
raça. É essa a grande trama montada pelo multiculturalismo do movimento negro.
Mas há quem diga que tudo isso
é por conta da luta de um povo que além de ser a maioria do país está em
maioria também na pobreza. Em uma das apresentações do clipe de El Niño
aparecem informações como essas, mas elas são equivocadas.
Segundo o Censo, a maioria dos
brasileiros, cerca de 53,7% se declaram brancos, 43,1% se disseram pardos, e
apenas 7,6% se assumiram pretos. Só que o IBGE e outros órgãos costumam unificar
pardos e pretos na categoria “negros”, ignorando a identidade intermediária que
grande parte da população brasileira se assume. Assim como nos EUA, querem
criar um país bi-racial, só assim as estatísticas sustentariam as bandeiras
racialistas. Devo completar que a grande maioria de pobres no Brasil não é
negra. Segundo o PNAD de 2006, 60% dos mais pobres no Brasil se afirmam pardos
e apenas 9% negros.
Percebe-se, aqui, que a pobreza
no Brasil tem todas as cores, e que o sangue misturado não nos autoriza
recrutar pessoas pelo viés racial, base histórica de todo pensamento racista.
Concluindo e voltando a música,
penso que El Niño se posicionou como artista e formador de opinião, e por isso
está sujeito a críticas e questionamentos. Volto a afirmar que não tenho
qualquer avaliação do clipe, meu artigo apenas usou da mensagem de sua música
para debater o tema sensível da racialidade. De certo forma, sua música nos
emprestou este espaço para o debate que respeitosamente utilizei. Espero poder
contar com o mesmo respeito dos meus interlocutores.