quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Saudades do Carnaval

Por Adelson Vidal Alves



Sinto saudades do carnaval. A festa originalmente cristã- no qual os cristãos se empanturravam de comida antes da abstinência da quaresma- mas que foi se tornando a maior festa popular do planeta. Saudade das marchinhas, que cantavam a tristeza da jardineira, o choro do bebê e a falta de sinceridade da Aurora, tudo na mais sofisticada simplicidade da festa.

Saudades de quando a rua era o palco principal, e não os camarotes milionários da Sapucaí ou os clubes fechados com ingressos caríssimos. Saudades de quando a falta de hierarquia da festa dispensava artistas e celebridades na frente das baterias, todos eram anônimos, festejando a abolição temporária da divisão de classes da sociedade.

Saudades do bloco das piranhas, que encarnava a inversão de valores, com pobres vestindo se de nobres e homens se vestindo de mulher. Saudades de quando as assimetrias físicas marcavam a celebração do humor festivo, hoje substituído pela paranoia de homens e mulheres modelados para um corpo perfeito a ser pateticamente exibido.

Saudades dos foliões e seus tambores, a se fazer parte de um todo, no mesmo chão. Hoje o que se vê são trios elétricos com suas alas VIPs, tocando músicas eletrônicas,  em disputa com carros sonorizados por funk e sertanejo, ritmos estranhos à festa.

Saudades de quando a referência da mulata brasileira não era vulgarmente erotizada por uma emissora de televisão, que troca suas modelos por muitas delas não terem o rostinho de princesa no qual o padrão estético hoje exige.

Saudades das serpentinas, das máscaras, dos confetes, dos abraços ao invés de vandalismos e acertos de contas de gangue. Saudades do carnaval que encarnava os valores comunitários, que festejava a alegria, que interrompia a dura realidade da vida socialmente injusta para encenar a verdadeira comunidade solidária.


Hoje, porém, esse carnaval se perdeu, virou apenas mais uma balada. Saudades, muitas saudades. 

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