Por Adelson Vidal Alves
Sinto saudades do carnaval. A festa originalmente cristã- no
qual os cristãos se empanturravam de comida antes da abstinência da quaresma-
mas que foi se tornando a maior festa popular do planeta. Saudade das
marchinhas, que cantavam a tristeza da jardineira, o choro do bebê e a falta de
sinceridade da Aurora, tudo na mais sofisticada simplicidade da festa.
Saudades de quando a rua era o palco principal, e não os
camarotes milionários da Sapucaí ou os clubes fechados com ingressos caríssimos.
Saudades de quando a falta de hierarquia da festa dispensava artistas e
celebridades na frente das baterias, todos eram anônimos, festejando a abolição
temporária da divisão de classes da sociedade.
Saudades do bloco das piranhas, que encarnava a inversão de
valores, com pobres vestindo se de nobres e homens se vestindo de mulher.
Saudades de quando as assimetrias físicas marcavam a celebração do humor
festivo, hoje substituído pela paranoia de homens e mulheres modelados para um
corpo perfeito a ser pateticamente exibido.
Saudades dos foliões e seus tambores, a se fazer parte de um
todo, no mesmo chão. Hoje o que se vê são trios elétricos com suas alas VIPs,
tocando músicas eletrônicas, em disputa
com carros sonorizados por funk e sertanejo, ritmos estranhos à festa.
Saudades de quando a referência da mulata brasileira não era
vulgarmente erotizada por uma emissora de televisão, que troca suas modelos por
muitas delas não terem o rostinho de princesa no qual o padrão estético hoje
exige.
Saudades das serpentinas, das máscaras, dos confetes, dos
abraços ao invés de vandalismos e acertos de contas de gangue. Saudades do
carnaval que encarnava os valores comunitários, que festejava a alegria, que
interrompia a dura realidade da vida socialmente injusta para encenar a
verdadeira comunidade solidária.
Hoje, porém, esse carnaval se perdeu, virou apenas mais uma
balada. Saudades, muitas saudades.
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